“Jó, ainda que dizes
que não o vês, a tua causa está diante Dele; por isso, espera Nele.”
De
repente, seu mundo desabou. O que você temia lhe sobreveio. Uma trágica
surpresa. Sua cabeça ainda tenta entender alguma coisa em meio ao caos, mas ela
mais parece um sistema em pane. Desnorteada. Dentro do peito, um buraco vazio.
Um enorme buraco. Literalmente. Tudo aconteceu muito rápido, sem que você ao
menos percebesse. Coisas que estavam fora do seu controle. Fora do seu alcance.
E agora? Martela a dúvida.
Um
pouco mais de reflexão (ou de angústia?) e as constantes dúvidas começam dar
lugar a outra, agora bem maior. Mais séria também. Profunda. É só questão de
tempo até que ela consuma você. Até que ela não saia mais da sua cabeça. Até
que ela devore seus sonhos e tente destruir toda a sua esperança. Até que ela
sugue cada gota do que ainda resta da sua pequena energia. Onde está Deus? Ela
grita em alto e desesperado som. Não tem como não ouvi-la.
Você
orou muito. Pediu insistentemente. Arrazoou com Ele sobre os fatos. Suplicou
para que Ele revertesse toda aquela situação, mas a sensação é que Ele sequer
ouviu uma palavra. Não houve respostas. Nada. Tudo em silêncio. A única vontade
que restou foi a de desistir. Se não fosse por algumas coisas que prendiam você...
Ah... O balde tinha entrado no ângulo. E sem bater na trave. Seria um golaço. Digno
de uma placa.
Agora,
você se sente como um nada. Sozinho e perdido. Essa situação escancarou sua
pequenez. Desmascarou sua incapacidade. Revelou sua falta de controle sobre a
sua própria vida e sobre a vida de seus próximos. Mostrou que toda a sua
segurança nas coisas desse mundo não era nada. E, acima de tudo, o fez enxergar
sua falta de controle sobre a vontade e os propósitos de Deus. Coisas que você
até sabia, mas não as enxergava. Agora, você as vê. E que dor essa visão. A
visão da realidade.
Falta-lhe
fé. Sobra-lhe frieza e apatia. Você se tornou um típico humano pós-moderno.
Desiludido, relativista, desacreditado. Desesperado. Só que o alvo dessa desilusão
não chama ciência. Tem outro nome. Deus.
O
problema do mal é um assunto arduamente discutido, seja no mais alto debate teológico
ou na mais humilde conversa entre cristãos. Seja em um enorme livro ou na
simples conversa entre os cônjuges antes de dormirem. Todos em busca de uma
resposta. Algo que preencha o vazio ocupado pela tenebrosa dúvida. Uma solução,
por favor!
Ficar
sem saber o porquê do sofrimento é algo extremamente doloroso. Em certa medida,
é desesperador. A única coisa pior que a dor experimentada pelas aflições é a
implacável dúvida a respeito do amor de Deus. A respeito dos seus propósitos. A
respeito do seu modo de fazer as coisas. Porque Ele permitiu que tudo isso
acontecesse?
Geralmente,
na busca de uma resposta para o problema do mal, Deus tem sido diminuído. Ora em
seu poder, ora em sua bondade. De todo jeito é ruim. De todo jeito as respostas não satisfazem.
De
um lado, alguns dizem: Deus é bom. Certo. Porém, o mal existe. Está claro isso.
Nem precisa ligar a TV para saber. Então, a conclusão óbvia é uma só. Se Deus é
bom e o mal existe, Ele não pode ser onipotente. Ou seja, sendo totalmente bom
Ele deveria eliminar a maldade da criação. Se não o faz é porque lhe falta
poder. Falta-lhe força para isso.
Por
outro lado, outros dizem: Deus é poderoso. Certo também. Porém, o mal continua
existindo. Então, usando a lógica, se Deus é poderoso e o mal existe, logo Ele
não deve ser tão bom assim. Ou seja, tendo Ele total poder e força, deveria
eliminar o mal, porém se não o faz é porque não quer. Falta-lhe bondade.
Fato
é: as duas alternativas definem a Deus. Ou Ele é um fraco bondoso, ou um tirano
poderoso. Não há uma terceira opção. O triste é perceber que, muitas vezes,
cristãos pensam assim. Talvez não declarem explicitamente isso, mas no intimo é
exatamente isso que se passa. Ora minimizando o poder de Deus, ora minimizando
a sua bondade. Talvez, ficar sem resposta alguma seja melhor que ter essas.
Talvez, não. Com certeza.
Contudo,
sendo a Bíblia a revelação especial de Deus, é imprescindível deixar que ela
mostre a verdade. Seriam algumas dessas duas opções a descrição bíblica sobre Deus?
Bom e fraco? Ou, poderoso e tirano? Realmente, essa lógica descrita acima
confere com a revelação de Deus na Palavra? Se não, como, então, a Escritura O
revela?
Primeiro,
ela revela que Ele é totalmente bom. Ele é luz. Nele não há trevas (1Jo 1.5).
Segundo, ela revela que Ele é totalmente poderoso (Is 40.26, Ap 1.8, Jr 32.27,
Jó 42. 2, dentre muitas outras). Então, como lidar com o problema do mal? Onde
se encaixa nessa história a maldade que claramente é vista presente na
realidade? Se Deus é bom e poderoso, porque o mal existe?
A
única forma de lidar com essa questão sem deturpar o ensino das Escrituras e nem
minimizar ou a bondade ou o poder de Deus é aceitar que Deus tem propósitos que
ao homem não foi revelado (Dt 29. 29). Ou seja, nós não sabemos a resposta. Não
sabemos como Deus administra essa questão. Só sabemos que Ele tem a capacidade
de usar o mal para fins justos, santos e bons sem que isso macule sua santidade.
Sem que isso denegrida seu ser.
Isso
não significa que a fé de um cristão, que aceita e acredita nessa verdade
bíblica, seja irracional, nem que ele é ignorante em sua razão. Isso significa
acreditar que Deus é infinito em si mesmo e que há uma diferença não só
quantitativa, mas qualitativa entre os pensamentos e os caminhos de Deus e os
pensamentos e os caminhos do homem (Is 55. 8,9).
Nenhum
homem pode encaixotá-Lo com sua filosofia. Nenhuma ideia pode enquadra-Lo com
sua argumentação lógica. Nenhuma teologia pode defini-Lo completamente em seu
ser e em seus atributos. Não se pode sondar a sua grandeza. Quem conheceu a
mente Dele? Quem O ensinou? Ou com quem Ele tomou conselho? (Is 40. 13,14)
Aceitar
a revelação de Deus dessa forma, totalmente bom e onipotente, é o caminho para
uma confiança em Deus além das circunstâncias. Uma confiança genuína que não se
embasa nas experiências dolorosas da vida para tentar definir o que Deus é ou
deixa de ser, antes aceita por fé o que a Palavra revela sobre Ele.
O
cristão, ao contrário do que geralmente acredita, não precisa de respostas para
os seus sofrimentos. O cristão não precisa de explicações da parte de Deus
sobre como Ele governa o mundo. Deus não precisa justificar ao homem o porquê
de cada propósito. O porquê do jeito como Ele dirige o universo. O que o
cristão precisa é enxergar a grandeza de Deus e confiar Nele. A grandeza Dele é
suficiente para eliminar qualquer dúvida. O livro de Jó incumbe-se de expor
essa verdade.
Jó
não sabia por que estava sofrendo. Não havia “motivos” para tudo que lhe
acometia. Na verdade, se o autor, devidamente inspirado por Deus, não contasse
os motivos no início da narrativa, ninguém saberia. Porém, ao final do livro, fica
evidente que o motivo do sofrimento de Jó é o que menos importa. Diante da
grandeza de Deus e da sua majestade em governar cada detalhe do universo, mesmo
os mínimos, descritos a partir do capítulo 38, Jó declara: “Bem sei que tudo
podes, e nenhum dos teus planos podem ser frustrado” - (Jó 42. 2).
Como
Deus fez Jó, antes revoltado e indignado, implorando por um tribunal com o próprio
Deus, clamando por “justiça” entre as partes, aquietar seu coração e confiar
Nele? Explicando a ele os motivos de seu sofrimento? Dando a ele as tão
exigidas respostas às perguntas descritas ao longo do livro? Explicando
detalhadamente a Jó como seus decretos foram elaborados na eternidade e como
eles funcionam? É certo que não.
O
que Deus fez foi somente mostrar a Jó quem Ele é. Ele mostra toda sua grandeza,
todo seu poder e toda sua majestade diante daquele que fala do que não sabe.
Daquele que abre a boca para reclamar sem conhecimento de nada. Ele não
responde uma pergunta sequer a Jó. Antes, Ele diz: “Quem é este que escurece
meus desígnios com palavras sem conhecimento?”. - (Jó 38. 2).
Deus
em nenhum momento diz a Jó o que ele queria saber, porém disse a ele como seu
poder sustenta toda a realidade criada. Como não há nada que Lhe escape aos
olhos. Como não há nada que Lhe passe despercebido. Como Ele é grande em força
e em poder.
O
grande aprendizado no livro de Jó é esse: nós não precisamos que Deus nos explique seus planos e propósitos para confiarmos Nele. Ele não precisa pedir permissão a nós para executar seus decretos. Ele não precisa da nossa aprovação para fazer sua vontade. Nós precisamos, assim como Jó, ter os olhos abertos para
vê-Lo. Ver sua grandeza. Então a pergunta certa a ser feita não é “por que”, e sim “como”. Como
confiar em Deus em meio ao sofrimento? Como acreditar em Sua bondade quando
tudo em volta mostra justamente o contrário? Como, então, vê-Lo?
A única e totalmente suficiente resposta para
essas perguntas é: olhando para cruz. A questão é: quais são os motivos pelos
quais nós devemos confiar em Deus em meio ao sofrimento? Pois bem, se a questão
é claramente essa, a resposta é igualmente clara: porque a bondade de Deus foi
escancarada na cruz.
Lá,
através de um sofrimento infinitamente maior que qualquer ser humano possa
imaginar, ficou clara a bondade de Deus para com seus filhos. Não há dúvidas.
Deus demonstrou seu amor quebrando seu filho na cruz para pagar a dívida de
pecadores. Se Deus não poupou seu único filho para salvar os seus, o que mais
necessitariam eles que Deus não os daria?
Em
meio ao sofrimento, a nossa única alternativa é confiar que Deus sabe o que faz.
Ainda que não entendamos nada do que está acontecendo Ele é digno da nossa
confiança. A cruz escancarou isso. Nela nós vemos tanto a bondade quanto o
poder de Deus em sua plenitude.
Não
há resposta para nosso sofrimento, muitas vezes. Mas isso não significa que não
há paz. Não significa que não há
consolo. Em Cristo nós encontramos a esperança que precisamos para viver. Em Cristo
nós sabemos que todas as coisas cooperam para o nosso bem. Até as piores. Em
Cristo nós vemos o amor que, irresistivelmente, nos faz confiar. O amor que,
graciosamente, nos faz descansar. O amor que nos faz enxergar a grandeza de
Deus.
Eron Franciulli Coutinho Jr
Eron Franciulli Coutinho Jr